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Texto: Elton Pila

Fotos: Yassmin Forte

Edição 71 Jan/Fev | Download.

Catembe – A rota das cavernas

A ponte Maputo-KaTembe é uma árvore que emerge das águas a juntar duas margens do mesmo território. Quem lança os olhos a Catembe do alto dos prédios da cidade de Maputo pode, a início, pensá-la uma ilha, corpo de terra jogado ao mar como é Inhaca, Xefina ou dos Portugueses ou tantas outras que fazem do Índico uma rota cheia de paragens. Mas Catembe é extensão da cidade, afastado por um golpe geográfico para nos introduzir ao mar.

Antes da ponte, haviam os ferryboats ou as pequenas embarcações a que popularmente chamamos mapapais, que partiam da Ponte-Cais, permitindo esta experiência da cidade a minorar-se, a tornar-se ilha enquanto Catembe torna-se terra viva. Mas a travessia pelo mar dependia sempre do tempo, este composto de ventos que tornam o mar um campo ainda mais movediço. A ponte tornou a ligação mais rápida e mais prática e deu-lhe mais um cartão-de-visita, afinal os cerca de três quilómetros fizeram dela a maior ponte suspensa d’África.

Chegámos ainda o sol se escondia entre as nuvens, pássaros ao alto a testar a sorte dos fotógrafos que podiam tentar captar esta imagem de postal que são as revoadas com a ponte a fazer de fundo. Praia dos Amores era o destino. O nome é sugestivo e o que não se diz dela é ainda mais. «De onde chega?» – perguntámos aos pescadores com a curiosidade natural dos forasteiros que exigem significado para tudo. Mas a pergunta surpreende-lhes. Apesar de conhecerem a Praia, nunca se propuseram a pensar na origem do nome, como se o ouvissem desde sempre e pensassem que fosse sempre substantivo e adjectivo, conceito e definição. Mas deixam-nos a descrição: cavernas, terra, mar, céu e a cidade ao fundo. Terminam a indicar quem nos possa dizer mais.

As grandes rochas esculpidas pelo escopro-mar e martelo-tempo são cavernas em que a luz sempre chega.

Restam apenas algumas médias cavernas, que continuam a ser ameaçadas pelo mar

O bairro é Malhanpfane. O caminho é de terra, lama e poças de água que nos obriga a deixar o carro a meio do caminho e seguir a pé. E quem precisávamos encontrar é Ana Mboissa, uma anciã já a esticar a vida para perto dos 70 anos de idade, todos eles vividos naquela Catembe marcada pelos ventos da Praia dos Amores. O nome é antigo, conta, mas não tem a exacta origem. «Crescemos a saber que é Praia rha Lirandzo», diz-nos. «Lirandzo» é o equivalente a «Amor» e nos debatemos para perceber nesta tradução o que precede e o que procede. E então percebemos que a precedência será sempre uma luta identitária. «Os portugueses chamavam «dos Amores» e os nativos de «rha Lirandzo». E fala de um tempo em que havia uma profusão de carros e de gentes que se punham nas cavernas feitas alpendres, mesmo em frente à Praia, em grandes celebrações do que é a vida, que podia durar por dias. Despedimo-nos e voltamos a embrenhar-nos pelos trilhos com árvores a fazer de margens para depois nos deixarem ver o mar em toda a sua plenitude.

As grandes rochas esculpidas pelo escopro-mar e martelo-tempo são cavernas em que a luz sempre chega. Parados ali, é como se o tempo estivesse suspenso, como se os ventos das evoluções que levaram homens e mulheres por mãos próprias a erguer paredes e tetos para o abrigo, ao longo dos séculos, não tivessem soprado por ali. Restam algumas médias cavernas, que continuam a ser ameaçadas pelo mar. Quem está mais habituado a estas andanças diz que já foram mais e mais profundas, foram já corroídas pelas águas do mar e as rochas agora lembram o monte Rushmore.

O «Amores» a que se cola à Praia pode tanto ser pelas celebrações de que Ana nos falara como pode ser pelas cavernas que sugerem leitos de um período pré-histórico e tudo o que o leito sugere; mas pode ser também sobre o silêncio rompido pelo milagre da natureza que é o mar a crescer um pouco cada vez que uma onda chega à margem. E a cidade no horizonte, como se os prédios também estivessem a flutuar sobre as águas.

E entre o nascer e o pôr-do-sol, pensamos que talvez o dia pudesse ser eterno. Mas o sol nos ensina o que os actores e actrizes de Teatro personificam: o segredo não está na eternidade da actuação, mas como se sai de cena. E o pôr-do-sol visto da Praia dos Amores é este espectáculo: o laranja lusco-fusco ao fundo, como a bola de fogo a extinguir-se e réstias de luz reflectidas entre as gotas que sobram do vaivém das águas sobre as rochas mais adiantadas, quase um caleidoscópio.

▶ COMO IR

Da cidade de Maputo é uma viagem de carro de perto de 25 minutos em estrada alcatroada e mais 15 em de terra batida. A meio do caminho, pode seguir a pé não por muito mais do que outros 15 minutos, o que vale também pela imersão no verde.

▶ O QUE FAZER

Um piquenique na Caverna invoca a memória de outros tempos. Assistir ao nascer e ao pôr-do-sol é também uma experiência inesquecível. E pode sempre se deixar ficar apenas, sem compromisso com o olhar turístico, quase uma meditação.

ONDE COMER

Levar o que comer pode sempre ser uma boa alternativa. Mas, se preferir, pode fazer o caminho de volta, e em Catembe há sempre uma infinidade de restaurantes.

▶ ONDE DORMIR

Há várias estâncias hoteleiras. Mas Massala-Mar que tem uma porta de acesso à Praia dos Amores pode ser sempre uma boa opção.

▶ CUIDADOS A TER

Chapéu, protector solar e água devem fazer parte do kit. Deve ter cuidado ao entrar pelas cavernas adentro, afinal a violência das águas continua a fragilizar as rochas.

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