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Texto: Leonel Matusse Jr.

Foto: Amilton Neves

Edição 73 Maio/Jun | Download.

Ídasse Tembe, uma obra do seu tempo

Da cabeleira do adolescente que, nos anos 60 e 70, tocava piano e praticava ballet permanece a calma, jovialidade e sobriedade. A cabeleira cedeu para um corte médio, já grisalho, obediente a tinta do tempo, que hoje faz o artista plástico Ídasse Tembe (1955). A conversa que o leitor tem em mãos é um excerto de uma tarde passada a falar do passado e do presente.

À pintura associamos o Núcleo de Arte. Mas é membro da Associação Moçambicana de Fotografia, da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) e criou o Departamento de Artes no Instituto Nacional de Cinema. Como é que acaba envolvido em tanta coisa?

Pertenço a uma geração que teve muita sorte de assistir ao parto de uma nação. Nosso maior sonho era fazer com que Moçambique fosse um país diferente.

A minha participação neste jogo cultural foi pelas oportunidades que tive. E foram as exigências do próprio tempo. Quando saí do Centro de Estudos Culturais fui criar o Departamento de Artes no Cinema e eu ia fazendo sem me aperceber do percurso.

Nesse andar, tive a sorte de participar na criação de muitas associações como a AEMO, fizemos dinamização literária nas empresas, nas escolas, nos bairros e depois apareceu a Charrua, que teve a projecção e impacto que teve. Fiz também parte do Tchova. De uma forma ou de outra fiz parte de um colectivo que tinha vontade de fazer coisas.

Olhando para o quadro de acontecimentos depois da euforia do pós-independência, fico com a impressão de que o entusiasmo inicial esfumou-se…

Eu penso que, felizmente, o bicho homem tem a sorte de pensar. E o pensamento pode ser bom e pode ser mau. Não é por acaso que despertas e de repente percebes que há um tipo que acordou e pegou numa faca para ferir o outro. Enfim, pertenço a uma geração que acreditava nas coisas que estava a fazer. O projecto de cinema móvel, por exemplo, passou pelas minhas mãos.

Apesar de nunca ter ouvido uma música sua, li algures que tem uma queda para a música também…

Creio que entrei para a Escola Ferroviário em 1973, quando abriram para outros que não fossem filhos de funcionários dos Caminhos de Ferro. Li no jornal que havia vagas para o curso de música e me inscrevi para piano. Dessa época, lembro-me de Tony Matola, Gito Balói.

Pertenço a uma geração que acreditava nas coisas que estava a fazer.

Depois de tanto chateá-la, a professora pôs-me como o último na aula. Estava sempre a perguntar, pedia ajuda dela nos arranjos das minhas composições e ela tinha interesse por isso. Ela introduziu-me ao ballet.

Levou-me, certo dia, depois da aula, para apresentar-me a professora de ballet, e lá encontrei o Lázaro Sengo, Adérito Armindo, Mussá Tembe. A solista principal era Botika, de Nampula, que foi Miss Moçambique 1972.

Ainda faço música, componho, tenho coisas feitas. Um dia vou gravar, vou mostrar. Há muitos projectos. Tenho músicas de há vários anos com o José Mucavele.

E as artes plásticas, como surgem?

Foi uma altura muito boa. Quando estava no Centro de Estudos Culturais comecei a participar em exposições, pratiquei muita cerâmica. O desenho apareceu mais ou menos na altura da Charrua.

Acho que é inevitável parte desse percurso estar presente na sua obra.

Eu penso que as oportunidades que tive de passar da música, dança, cinema de alguma forma contribuíram para aquilo eu que eu sou. Há certos fragmentos ou padrões que são consequência disso. Quando trabalho com um passo, no desenho ou na pintura, de um animal ou de uma pessoa, se fores atento vais perceber o ballet, a harmonia, a melodia.

Acredito que as coisas acontecem no momento próprio. Nós somos peões do nosso destino. Já está escrito o que seremos. Meu problema é disciplina de concentrar-me e estar ali. Mas quando pego, sai.

Actualmente, o que faz ao acordar?

Vou fazendo as coisas que posso. Há momentos para desenhar, para pintar. Escrevo as minhas memórias. Vou compondo. Vou tocando a viola. E agradeço a Deus por, sem incomodar a ninguém, criar o meu espaço. O que rezo quando nasce o dia é para ter saúde.

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