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Texto: Leonel Matusse Jr.

Foto: Jay Garrido

Edição 66 Mar/Abr | Download

Encontros Índicos com Lucrécia Paco e Taibo Bacar

Desfiar a memória

 Ana Magaia está em palco, vestiu um personagem que se encaixa nela como uma peça de roupa costurada a sua medida. Na plateia, uma adolescente encanta-se e assume para si mesma: ah, quero ser actriz. Desse episódio, nos princípios da década 80, nasceu a actriz Lucrécia Paco (n. 1969).

Os filmes soviéticos, abundantes na altura, já tinham espevitado a menina que cresceu a cantar e a dançar no Bairro do Aeroporto, na periferia de Maputo. Mas aquele momento foi definitivo.

A adolescente não imaginava os reflexos da sua decisão algumas décadas mais tarde. Nas palavras de Taibo Bacar (n. 1985), crescido no Fomento, bairro da Matola, “nenhum artista, sobretudo na minha área, se faz se não tiver uma musa”, disse ele que escalou a altura de um dos principais designers de moda em África. A actriz, em palco, foi esse ente divino para o criativo.

A Lucrécia – toma a palavra Taibo – é uma das pessoas que há 15 anos, apareceu nos seus sonhos, com a energia vital, que dá força para continuar. O processo criativo deste designer de moda envolve captar as pessoas, buscar a sua essência. Na época Bacar procurava por referências, fosse nas artes ou noutras áreas profissionais, de nomes femininos que fossem relevantes, “que nos fizessem acreditar que o mundo estava a mudar porque nós vivemos numa sociedade que apesar de matrilinear, é machista”.

Lucrécia Paco foi já a musa para as colecções de Taibo.

“Os meus pais não viam com bons olhos esta ideia de fazer teatro profissional, queriam que eu estudasse”, conta Lucrécia.

O desenho de uma colecção de Taibo Bacar começa a ver um filme, uma peça de teatro, histórias de pessoas que, ante a uma temperatura adversa, levantam o voo, “acontecem”. É daí que brotaram os esboços das vestes que se viram no Mozambique Fashion Week, Milão Fashion Week ou AFI Fashion Week.

Despido dos compromissos com a moda, o fundador da marca Taibo Bacar (desde 2008) reencontra-se sentado na esteira com os avós, a comer uma boa xiguinha ou outra verdura abundante. O glamour do luxo e do conforto perdem para as origens.

Ambos estão sentados nos sofás brancos da Biblioteca da Fundação Fernando Leite Couto, a desfiar longos novelos das suas histórias de vida. É o segundo capítulo da série Encontros Índicos orquestrada pela hospedeira e a Índico, revista de bordo das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM).

Lucrécia Paco, protagonista na História do Teatro Moçambicano está diante de Taibo Bacar, cujo percurso se entrelaça entre os caminhos da moda no país.

Estão de acordo que, se o Bacar busca o desenho de peças de roupa que se ajustem ao ser de quem as veste; Paco, de uma família de maioritariamente de músicos e mãe de quatro filhos, veste personagens que vive como se a fita métrica do dramaturgo tivesse medido os seus contornos aquando da redacção.

Se em 2008 Lucrécia inspirou uma das figuras decisivas da moda em Moçambique, em 1984, a jovem, que já tinha sido reprimida na escola, na infância, por cantar e dançar as canções do seu bairro, recebia a autorização dos pais, a pedido de Manuela Soeiro, para fazer teatro.

O desenho de uma colecção de Taibo Bacar começa a ver um filme, uma peça de teatro, histórias de pessoas que, ante a uma temperatura adversa, levantam o voo, “acontecem”.

“Eu tenho muitas mães”, revelou, na sua voz sempre melódica, a referir-se a Anabela Adrianopoulos, Ana Magaia e Manuela Soeiro com quem partilhou a cena no Txova Xitadutama, que a acolheram e orientaram.

Tendo nascido no meio da Guerra de Libertação Nacional, crescido com as atrocidades da guerra civil, viu essas actrizes em palco, a procura de dar corpo a moçambicanidade através do Teatro e a fazerem as fundações para a construção do Homem Novo.

“Os meus pais não viam com bons olhos esta ideia de fazer teatro profissional, queriam que eu estudasse, mas graças a Manuela Soeiro que os convenceu e ajudou-nos a continuar a estudar no Teatro Avenida, cá estou hoje”, disse, com os gestos, o semblante e o tom de voz a revelarem que nesse instante a Lucrécia abria uma página que muito preza.

Sob condução de Taibo Bacar, Lucrécia voltou a percorrer o passado para recuperar a memória da falta de dinheiro para sustentar o Mutumbela Gogo, a primeira companhia profissional de Teatro do país, da qual foi membro fundador, em 1986. A alternativa, para além de vender pão em frente ao Avenida, era apresentar as suas peças nas empresas às quartas, quintas e sextas, sendo os finais-de-semana para o palco do Avenida.

O país estava em construção e o Teatro também. Não havia peças escritas por dramaturgos. Escritores como Mia Couto e Luís Bernardo Honwana cederam os seus contos e crónicas para adaptação.

Ao longo dos anos, Lucrécia representou vários personagens, mas guarda o registo de “Os Meninos de Ninguém”. Interpretava Ritinha, uma menina albina, que liderava um grupo de rapazes. Mas também fez cinema, nas longa-metragens Flores Silvestres, Comédia Infantil e televisão nas novelas Nineteens e Jóias de África.

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