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Texto: Elton Pila

Fotos: Amilton Neves

Edição 66 Mar/Abr | Download

Goba

O enigma dos soldados esquecidos

Falam-nos de um monumento em cruz num dos pontos mais altos de Goba, uma homenagem aos heróis da pátria. Dizem-nos que ali perto há alguns túmulos de soldados esquecidos feitos de pedras extraídas da grande rocha em que Goba foi erguida. Mas ninguém diz mais do que isso, ninguém (ao que parece) sabe mais do que isso. E o mistério se impõe. Quem foram aqueles soldados? De que batalha brotou a heroicidade? De onde vêm? Por que foram esquecidos? São perguntas sem resposta que adensam o mistério, incomodam, provocam e nos colocam em busca de respostas.

O caminho para Goba, uma localidade do distrito de Namaacha, faz-se por uma estrada feito caracol. As montanhas verdes erguem-se além dos 2.740 metros de altitude e sugerem a redefinição de abismo.

Por estes dias em que a pandemia colocou o mundo suspenso e impôs o silêncio forjado no distanciamento, Goba parece um destino esquecido como os soldados de que andamos à procura.

A chuva dos dias anteriores corre ainda sobre as rochas, a abrir espaço para uma espécie de cachoeira ao longo do trilho. Refrescar é o verbo, a memória precisa.

“Quem são os heróis? Que pátria honrou a sua heroicidade?” – as perguntas repetem-se, sem respostas. A poucos metros, o cemitério.

 

A fronteira com o reino de Eswatini está fechada, os estabelecimentos que tornavam a espera pela travessia menos entediante também estão fechados. O chilrear dos pássaros, que ali se fazem ouvir como imperadores, emprestam vida ao local, com tudo o que isso tem de lugar-comum.

E de repente uma anciã se mostra fora do quintal, passos quase mudos, a coluna vergada ao peso dos 70 anos que parece ter ou dos trabalhos na pequena horta que se vê ao fundo da casa. Interpelamo-la sobre os túmulos dos soldados esquecidos, disse-nos que não os conhecia. Mas chamou logo o marido que talvez conhecesse. Ele, que parecia um pouco mais velho, franzino, mas a conservar uma postura militar, aponta-nos a direcção. É só mata o que vemos, teremos de nos embrenhar entre árvores silvestres. Colocamo-nos na direcção que nos foi indicada. Mas na hesitação natural de quem se move em terrenos desconhecidos, voltamos a perguntar a um grupo de adolescentes a meio do caminho.

“Não é aí. É lá!”, diz-nos o mais atrevido, apontando na direcção contrária àquela que o ancião nos indicara. Ficamos perdidos entre a experiência da senioridade e a irreverência da adolescência. Mas os meninos insistem, já em coro, com certeza. Levamos então um deles connosco e seguimos.

A guarda fronteira do país vizinho está sempre em alerta, pronta para atirar caso alguém tente atravessar, diz-nos um dos guias.

Antes de iniciarmos a caminhada, o jovem pergunta: “já falaram com os senhores da guarda-fronteira?”. Eram pouco depois das 9 horas, mas ainda descansavam da noite anterior, palmilhando toda a linha que traça o limite entre Moçambique e Eswatini. E depois de apresentarmos a nossa credencial, começamos a ida ao monumento guiados pelos guardas que se pontificaram para nos acompanhar.

Penetramos na vegetação que víamos ao longe e caminhamos pela linha de fronteira com a antiga Suazilândia. Pelo meio, um vulto atravessa-nos o caminho. “É uma impala”, dizem-nos os guias.

A guarda fronteira do país vizinho está sempre em alerta, pronta para atirar caso alguém tente atravessar, diz-nos Jordão Pechisso, um dos guias. Então percebemos por que temos de fazer o caminho acompanhados e por que o menino se negou a levar-nos. “Podem pensar que vocês querem atravessar a fronteira ilegalmente”, esclarece Pechisso.

E estamos já no monumento. Uma cruz que pode ser vista de todos os lados. “Homenagem aos heróis da pátria” – é tudo o que se pode ler. Não está datado. “Quem são os heróis? Que pátria honrou a sua heroicidade?” – as perguntas repetem-se, sem respostas. A poucos metros, o cemitério. Os soldados estão ali, inominados individualmente, colectivamente velados em túmulos de pedra sob o véu de “soldados esquecidos”. Quem serão afinal? Podem ser guerrilheiros de Ngungunhane, o último imperador de Gaza, que morreram na luta de resistência, como tenta sugerir Pechisso. Mas podem também ser soldados portugueses mortos na I Grande Guerra e em memória de quem o monumento foi erguido, como atesta alguma pouca literatura sobre o assunto. Saímos daquele espaço com mais perguntas do que respostas.

A chuva dos dias anteriores corre ainda sobre as rochas, a abrir espaço para uma espécie de cachoeira ao longo do trilho. Refrescar é o verbo, a memória precisa.

▶ Como ir

A partir de Maputo, passe a Matola em direcção a Namaacha e depois siga as indicações para Goba. É uma viagem de cerca de duas horas. Pode também optar pela via férrea a partir da Estação Central dos CFM, uma viagem mais morosa que poderá em si revelar-se uma aventura.

▶ Onde dormir

A viagem até Goba pode ser feita em apenas um dia. Se preferir pernoitar, em Goba existe a Quinta do Leitão ou pode seguir até Namaacha e ficar no Hotel Xissaca.

▶ Onde comer

A nossa sugestão é preparar um piquenique para comer ao ar livre, junto ao monumento. Faz parte da experiência!

▶ O que fazer

A viagem a Goba é por si só um grande atractivo. Escalar os montes é uma aventura que exige fôlego. Pode ainda tentar visitar algumas fábricas de extracção de água mineral ou as plantações de banana.

▶ Cuidados a ter

Chapéu, protector solar e água devem fazer parte do kit para escalar a montanha. Roupas frescas e sapatilhas desportivas podem ajudar. Atenção ao terreno acidentado.

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