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Texto: Jessemusse Cacinda

Fotos: Júlio Marcos

Edição 79 Maio/Junho| Download.

As portas de Quelimane

Até hoje mesmo assim, eu não sei como interpretar” – este verso shakespeariano do músico Mussa Rodrigues aparece na mente de um andarilho que vagueie pelas avenidas e ruas do centro da cidade de Quelimane e veja edifícios com as portas fechadas.

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Os snackbars clássicos que fazem a paisagem da Avenida dos Heróis de Libertação Nacional, o movimento das bicicletas e a simpatia das pessoas tornam a experiência de viajar a Quelimane numa marca. Mas quem agora circula pelo centro se espanta com a quantidade de casas encerradas, a denunciarem que as mesmas sentem falta do calor gerado pelos casais que passaram anos fazendo amor entre os lençóis interiores.

As teias de arranha que se multiplicam por detrás das portas e janelas e as ruínas que ganham vida numa cidade octogenária criam a impressão de que cada ciclone que passa pelo Índico leva consigo o casal que menos quilómetros de passeio a dois teve pela marginal que segue a foz do rio dos Bons Sinais. E de onde chega o nome do rio? Quando Vasco de Gama passou por Quelimane, em 1498, na sua expedição à Índia, imaginou que o lugar lhe trouxesse bons sinais. Volvidos mais de cinco séculos, a cidade faz um sinal laranja como que a mostrar a sua intermitência face às mudanças climáticas cujas consequências desalojam os moradores das bermas do Oceano Índico.

O Cinema Águia e os edifícios da cidadede cimento nos vendem a imagem de uma cidade de portas fechadas.

O cinema Águia, na Avenida Eduardo Mondlane, é um edifício que, à semelhança de outros que habitam o centro da cidade, tem as suas portas encerradas, mas ainda se pode contemplar a sua parede de tinta restante a contracenar com as pedras vistosas e as ventilações arcadas de quadradinhos.

O edifício fechado é o desterro da espinha dorsal da segregação que caracterizou as celebrações do carnaval no tempo colonial com os grupos foliões a actuarem em palcos fechados. Venceu-se a segregação, o carnaval saiu do Cinema Águia e foi alojar-se na Praça da Juventude. O bairro venceu e invadiu a cidade.

A família que vive num dos compartimentos do Cinema Águia ainda pode abrir-lhe as portas para fotografar algumas partes do seu interior, menos a sala principal que nem sequer conserva a sua cortina. Os moradores dizem que Águia fora um cinema frequentado pelas elites locais. O espaço agregava, além de uma sala de cinema, esplanada e café.

Quelimane alerta-nos que o mundo está em constante mudança.

Quelimane alerta-nos que o mundo está em constante mudança. Mudou o clima, mas também mudou a vida. As casas abandonadas do centro da cidade ecoam como que um alarme sobre a urgência de visita-la enquanto ainda pode acolher o seu carnaval tradicional.

As portas fechadas de um número considerável de casas e edifícios da cidade cimento terminam nas Avenidas da Liberdade e Maputo, espaços que funcionam como uma fronteira que separa dois mundos. O mundo do asfalto com seus edifícios coloniais a contar a história do seu passado segregacionista e o mundo da estrada pelada a fervilhar de tanto excesso de vida. Enquanto o Cinema Águia e os edifícios da cidade de cimento nos vendem a imagem de uma cidade de portas fechadas, as portas da avenida da Liberdade e a avenida Maputo captam a alma de uma cidade vibrante, em movimento e com residentes que não precisam tanto para dançar ao som da música do Suraji.

A Avenida Josina Machel é ainda a morada de dois grandes clubes desportivos da cidade que rivalizam há anos, o Sporting e o Benfica, sendo que o primeiro ainda hospeda a Casablanca, uma verdadeira mini-cidade da música tropical. Para além do nome que nos faz viajar a Marrocos, Casablanca é uma estação obrigatória para quem passa por Quelimane. A simpatia no atendimento e nos preços, a variedade musical e o espírito festeiro dos zambezianos faz qualquer um guardar lembranças da casa.

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▶ Como chegar? 

A partir de Maputo, com LAM, pode voar directo a Quelimane e desfrutar da cidade.

▶ Onde Ficar? 

A cidade oferece uma variedade de hotéis, entre eles, o Villa Nagardas, Hotel Elite, Milénio Hotel ou o In Paradise Hotel.

▶ Onde Comer? 

Existem várias opções, entre tascas, pastelarias e restaurantes como o Tchapo-Tchapo, Nara, o Café Nicola e o Marina Gani. Mas os cartões-de-visita são o frango a zambeziana e mucapata.

▶ O que fazer? 

Passear a pé pela marginal e conferir o movimento dos barcos que povoam o rio dos Bons Sinais, pedalar, tomar água de coco, mergulhar na praia de Zalala, degustar da rica gastronomia zambeziana e desfrutar da vibrante vida nocturna da cidade.

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