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Texto: Leonel Matusse Jr.

Fotos: Yassmin Forte

Edição 69 Set/Out | Download.

Encontros Índicos com Naguib e Gigliola Zacara

Arte para se encontrar

Com vista para o estuário Espírito Santo e para o verde da Catembe nem tão longe, algumas tardes dos fins dos anos 90 e princípios dos anos 2000 eram no Café com Letras do artista plástico Naguib. Era um lugar bem frequentado, na avenida 10 de Novembro.

Uma vibe Miami Beach na fotografia e no interior do espaço encontrava-se Arte. A professora Lucília da Escola Nacional de Dança, a residir em Londres actualmente, levava 12 alunas bailarinas, alunas suas naquela instituição de ensino de Arte, entre as quais Gigliola Zacara.

“Das alunas dela eu sou a única sobrevivente, me considero um legado dela”, assume Gigliola. Naguib é próximo da professora. Ela casou-se no Café com Letras que encerrou em 2003, dando espaço, anos mais tarde, para o actual edifício do Standard Bank, ao lado do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Maputo.

Naguib saiu para as ruas aos 20 anos para celebrar a independência de Moçambique, inspirou-se em Malangatana, mas a sua experiência urbana não se conectou com os motivos rurais malangatanianos. Seu imaginário dava outras sugestões.

O artista nascido em Tete em 1955 se moldou com a crítica da Gazeta de Letras da Revista Tempo, da Randzarte nos anos 80 e 90. E por uma sociedade disposta a reflectir sobre Arte, sobre as propostas de exposições, peças de Teatro e outras formas de Arte.

Ainda recorda daquele grupo da Escola Nacional de Dança. Passadas quase duas décadas, está diante de uma das integrantes, numa conversa improvável, da quarta sessão dos Encontros Índicos, produzida pela Fundação Fernando Leite Couto em parceria com a Índico, Revista de bordo das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM).

Com as atenções no presente, ambos olham e avaliam a Arte com receios. Sentem saudade, embora de épocas distintas, da sua formação, da primazia da qualidade das obras de Pintura, da Dança, do Teatro. “Eu só vendi a minha obra dez anos depois de começar a pintar”, conta Naguib em respeito ao próprio processo. Aconselhado por Malangatana, decidiu expor e aparecer como artista, na altura residente no prédio Monte Pio.

E Gigliola fez apresentações de borla para construir o nome, até “o mercado definir o meu valor”. Se nas artes visuais Naguib se diversifica na pintura, no desenho, em monumentos e murais. Gigliola, nas cénicas, faz Teatro, Cinema e escreve. E desencontram-se aqui. Para o primeiro a arte é uma expressão única, singular. Apenas ele pode pintar como pinta. Para a segunda, é uma espécie de representação do colectivo, dar voz a quem não a tem.

Se reencontram aqui: a finalidade da Arte é tocar, provocar a quem vê, ouve ou sente, com uma ambição de atemporalidade, mas com os pés no presente. É certo que para Naguib, o caminho é fazer “algo fora da caixa, diferente dos outros”.

Encontra exemplos para na literatura de José Craveirinha e Mia Couto. “É preciso que cada um de nós [Artistas] crie a sua própria forma de comunicação [encontre o seu próprio beat]”, resume Naguib.

“Eu só vendi a minha obra dez anos depois de começar a pintar”, conta Naguib

Para a Gigliola, a Arte é uma espécie de representação do colectivo.

– Na formação que tive como coreógrafa, a lição que ficou foi justamente essa de encontrar a tua própria forma de se expressar. E isso criou-me uma certa confusão com os colegas do Teatro, porque vinha a procura da minha forma de falar, diferente da dos outros – concordou Gigliola.

– Quantos artistas são formados por ano? – prosseguiu Naguib a querer questionar sobre quantos se consagram – mas ser artista requer outras coisas como o domínio técnico e teórico, mas, acima disso, tens que encontrar o talento. A minha consagração é para posteridade, minha preocupação é trabalhar e criar coisas. Um artista não existe para agradar a ninguém senão a si próprio.

– Eu acho que os artistas dão voz a quem não tem voz, responde Gigliola.

– As vezes temos que dar oportunidade a essas pessoas para que elas próprias se expressem – reagiu Naguib – a propor a Gigliola uma oficina com as trabalhadoras de sexo da baixa da cidade de Maputo, que actuam na Rua de Bagamoio, imediatamente em frente a Escola Nacional de Arte.

– Desafio aceite – conclui Gigliola.

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