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Texto: Cristiana Pereira

Foto: Shutterstock

Edição 68 Jul/Ago | Download.

República Dominicana

“Soy todo sentimiento” 

 Há figuras que ficam gravadas na nossa memória e assumem estatuto de “quase protagonista” das histórias das nossas vidas. Por mais tempo que passe, e por mais amareladas que se tornem as páginas do nosso diário íntimo, recusam a apagar-se. Há, por conseguinte, que honrá-las.

É o caso de Julito, o motorista de machibombo que, ao longo de duas semanas, conduziu um bando de estudantes nas suas aventuras (e desventuras) de viagem de fim de curso. A sua bonomia, o seu romantismo e o seu sentido de humor, tão meigos quanto o ritmo insular da sua terra natal, estavam encapsulados no dístico que trazia colado por cima do espelho retrovisor: “Soy todo sentimiento“.

O cenário: República Dominicana, finais da década de 1990 (alguns dos leitores não eram nascidos). Um grupo de finalistas universitários escolheu como destino para a sua derradeira excursão académica a pacata vila de Juan Dolio, num pacote de pulseira que trazia tudo incluído. Há episódios que não vale a pena saírem das páginas do diário, como as serenatas ao luar regadas a (muito) rum que acabavam invariavelmente em mergulhos de mar com (ou sem) roupa. Mas outros há que são partilháveis.

Julito tornou-se no herói que aguentava as cantilenas do barulhento grupo enquanto os levava a visitar os quatro cantos do país caribenho.

Julito tornou-se no herói que aguentava as cantilenas do barulhento grupo enquanto os levava a visitar os quatro cantos do país caribenho que ocupa dois terços da ilha Hispaniola, partilhada com o Haiti: o cenário dos filmes “Apocalypse Now” e “Jurassic Park”; as casas de férias dos famosos de Hollywood; o colorido mercado na capital, Santo Domingo; ou as intermináveis plantações de cana de açúcar. Aguentava até as noitadas nas discotecas à beira-mar, onde, sobre a areia quente e ao ritmo de uma saborosa salsa, os pés mais tortos se tornavam exímios dançarinos conduzidos pelas mãos seguras dos mafiosos donos da noite.

No dia seguinte, com a mesma boa disposição e infindável paciência, levava-os a tomar um suco da dita cana para ajudar a curar a ressaca, seguido de um almoço num restaurante de beira de estrada onde a música jamais cessava. E onde, pintada sobre uma parede de tinta descascada, com gaivotas a querer descolar de um fundo azul, se lia uma frase premonitória: “Si amas algo, déjalo libre, si regresa es tuyo, sino nunca lo fue”.

Havia raras ocasiões em que Julito deixava de ser protagonista para ceder o lugar a outro Julio, este sem direito a diminutivo: o Iglesias. Saíamos de manhã cedo, eu e a minha amiga-irmã Ana, companheira de outras estradas que por ora não importam, em cima de duas bicicletas alugadas para começar o dia a ouvir as histórias do italiano que trocara a frenética vida de jornalista na Europa pelo doce embalo de um bar das Caraíbas. Mal nos via chegar, punha a tocar vezes sem conta a nossa música de eleição: “La Carretera”, do tal Julito cantor que tantos corações quebrou. “Llueve y está mojada la carretera / Qué largo es el camino, qué larga espera!” – cantávamos nós de mão ao peito, em total desafino, seguindo o sábio lema de Julito, o condutor: “Soy todo sentimiento”.

Havia também alguns interregnos na vida farrista, quando, em preparo para a noite, nos deitávamos numa espreguiçadeira de piscina, numa inconfessa sesta à sombra de um coqueiro, com as memórias de Pablo Neruda adormecidas sobre o peito, dando o mote para os capítulos que ainda havíamos de escrever: “Confesso que vivi”.

Ao fim de duas semanas, Julito conduziu penosamente o machibombo em direcção ao aeroporto e o grupo embarcou ruidoso no voo de regresso a casa. Peles tostadas, sorrisos fartos, cabelos crespos de sol e de sal, cantando em uníssono (ou nem por isso): “Sigo en la carretera buscándote / al final del camino te encontraré / aceleré…”.

Além das praias de areia fina e águas cálidas, vale a pena visitar os parques que serviram de cenário a várias películas de Hollywood.

▶ COMO IR

Voe para o aeroporto internacional Las Américas via Estados Unidos (Miami ou Newark) ou via Europa (a partir de Madrid).

▶ ONDE FICAR

Opções não faltam naquele que é um dos mais populares destinos turísticos das Caraíbas. Boca Chica, a 30kms da capital, é uma das praias mais procuradas. A estância de Juan Dolio fica a 70kms.

▶ ONDE COMER

Na República Dominicana, talvez a questão mais relevante seja o que beber e não tanto o que comer. Aconselhamos o rum envelhecido de textura rica e cor dourada (procure o “Ron Barceló Gran Añejo”), servido com muito gelo e umas gotas de lima. No caso de exagerar na quantidade, no dia seguinte tome um sumo de cana e tudo fica melhor.

▶ O QUE FAZER

Além das praias de areia fina e águas cálidas, vale a pena visitar os parques naturais que serviram de cenário a várias películas de Hollywood. O colorido mercado de Santo Domingo também deve fazer parte do roteiro.

▶ CUIDADOS A TER

Passageiros provenientes da África do Sul são obrigados a apresentar um teste negativo de COVID-19. Dada a constante evolução da pandemia, convém actualizar-se antes de viajar através dos sites oficiais.

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