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Texto: Cristiana Pereira

Foto: Mauro Pinto

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Dabanga dos Santos – A oficina encantada

Pergunte-lhe se as suas peças são ritualísticas e a resposta virá prontamente: “Eu sou do Universo e tudo é energia”

Não pergunte qual a sua origem: hoje pode ser de Nampula, amanhã de Quelimane. Dabanga rejeita essa necessidade que o mundo tem de arrumar as pessoas em caixinhas. “Se eu disser de onde sou, logo vão colocar um rótulo”, reclama com descontentamento. Nem lhe peça para contar as suas memórias da luta armada na Tanzânia, onde conheceu o marido moçambicano. “A criatividade talvez venha de trás, mas a energia é de hoje”, proclama de forma enigmática.No número 188 da Rua João de Barros, em Maputo, há um lugar encantado onde pedras, metais e pedaços de madeira se fundem com a luz natural e a alma de uma artesã alquimista para ganharem nova vida em forma de colar, pulseira ou brinco – uma oficina tão mágica e carregada de histórias quanto a sua criadora: Dabanga dos Santos.

Pode ser que lhe fale do seu nome de baptismo, que migrou do Planalto Central de Angola para o Índico e viajou depois para as Américas, pelo caminho ganhando cores, formas e entoações que se misturam num melodioso timbre de todo o lado e nenhum.

Pergunte-lhe, porém, sobre as peças e descobrirá que em cada uma há uma narrativa. “Todas as minhas peças têm uma história e é uma história de África. Cada um interpreta à sua maneira, eu só dou os ingredientes”, explica enquanto desfia as missangas de um brinco que decora uma máscara de madeira.

E se falam de África, também falam necessariamente de Moçambique. A criatividade de Dabanga despertou em tempos de crise, numa altura em que tudo faltava. Era a década de 1980 e o material que encontrou para dar forma à inspiração que lhe soprava ao ouvido veio de garrafas usadas de Javel. O plástico branco foi recortado em formas geométricas emprestadas aos desenhos de Mary Quant e pintado com verniz (“das poucas coisas que ainda conseguíamos arranjar”) para dali nascerem brincos. Eram os tempos do socialismo e não se podia vender, daí que oferecesse às amigas em troca de mais garrafas usadas de lixívia. Do plástico passou para o metal com a ajuda de um cunhado que era mecânico e lhe preparou uma chapa para moldar as peças. Mais tarde, ao metal juntou-se o chifre de vaca e depois a madeira,as pedras e as conchas, entre outros materiais locais.

“A minha marca não é para pessoas que seguem a moda; é para pessoas confiantes que têm o seu próprio estilo”

Explorando a pequena garagem transformada em atelier, poderá encontrar uma árvore da vida embutida num pendente de madeira ou uma pena de pássaro a fazer companhia a um búzio. Jamais encontrará duas peças iguais, nem mesmo num par de brincos. “A minha marca não é para pessoas que seguem a moda; é para pessoas confiantes que têm o seu próprio estilo”, reconhece. Em muitas delas verá a espiral que representa o círculo da vida – afinal, como diz a criadora, “a vida termina sempre onde começa: quando morremos, voltamos à terra e transformamo-nos em estrume para outras formas de vida”, denunciando sem querer o seu passado de bióloga afecta à Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane. “A joalharia foi o meu bilhete para fazer aquilo quegosto”, explica.

Pergunte-lhe, sim, se as suas peças são ritualísticas e a resposta virá prontamente: “Eu sou do Universo e tudo é energia”.

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