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Texto: Cristiana Pereira

Foto: Vasco Célio

Edição 66 Mar/Abr | Download.

Nova Iorque – Crónica de um grande amor

 

Era uma manhã de domingo e as ruas estavam praticamente desertas. Eu acabara de descer do metro na estação de Harlem, em Manhattan, com um propósito muito específico: assistir a uma sessão de gospel. Os prédios baixos em tijolo ocre lembravam-me a série de televisão “Cheers”, que durante as décadas de 1980/90 nos fez rir com as tiradas secas de um TedDanson gingão, um jovem Woody Harrelson e a sensualíssima KirstieAlley. “Sometimesyouwannagowhereeverybodyknowsyourname…” (“Às vezes apetece-nos ir onde todos conhecem o nosso nome…”), ouvia-se no tema de abertura.

Mas o que eu queria ouvir era mesmo gospel. Interpelei um velho solitário vestido de macacão de jeans,agachado junto a uma paredeenquanto pintava um mural com uma publicidade de refresco (seria Fanta?). Perguntei que local me recomendava e ele sugeriu a Igreja Baptista MountMoriah, um edifício com uma imponente fachada de estilo românico onde, todos os domingos, grandes autocarros despejavam excursões de turistas à porta.

Segui naquela direcção e pelo caminho, ao parar para fotografar um dos tais pequenos prédios de tijolo, aparece à porta uma figura minúscula, vestida de branco da cabeça aos pés, incluindo touca, meia de renda pelo tornozelo e sandália de verniz.Assim que me viu, convidou-me a entrar. Olhei à volta para confirmar que era mesmo a mim que se dirigia e não vi ninguém; encolhi os ombros e entrei.

As horas que se seguiram foram das mais intensas que vivi. Passaram-se mais de 15 anos, mas recordo-me como se fosse hoje. Se fechar os olhos, ainda sinto a mesma energia electrizante de meia dúzia de almas (por sinal, todas mulheres ou crianças) entoando em plenos pulmões: “Hallelujah! Praisethe Lord!” (“Aleluia! Louvor ao Senhor!”). Dizem que nunca se esquece um grande amor. Eu nunca esqueci Nova Iorque.

No topo da lista estavam: Museu de Arte Moderna, Guggenheim, Central Park, Estátua da Liberdade e EmpireStateBuilding. Claro, também estava o Ground Zero.

A cidade tem um ritmo inebriante.

Aterrei no aeroporto John F. Kennedy na Primavera de 2004 com um roteiro minucioso dos sítios que iria visitar e o respectivo dia. No topo da lista estavam: MOMA (Museu de Arte Moderna), Guggenheim, Central Park, Estátua da Liberdade e EmpireStateBuilding. Claro, também estava o Ground Zero. Apanhei um táxi em direcção à ilha de Manhattan e fui apanhar as chaves de casa de uma amiga que, estando a viajar, me emprestara o seu apartamento.

Não sei que espíritos habitaram os meus sonhos naquela primeira noite.Certo é que, no dia seguinte, saí à rua, abri o bloco na página onde tinha o roteiro apontado e pensei: “Esquece! Vou fazer apenas o que me apetece! Sentir em que direcção o vento me puxa…” – aquilo que, hoje em dia, chamariam de “seguir o feeling” ou… “gowiththeflow”. Guardei o bloco, olhei para a esquerda e para a direita e perguntei-me: “E agora? Vou por aqui ou vou por ali?”.

Contagiada por essa infinitude de possibilidades, entreguei-me à cidade como se entrega a um grande amor: de coração escancarado, com tudo o que somos!Foi assim que dei por mim a jantar no restaurante Alfama, a escassos metros do actor Harvey Keitel; a assistir a teatro experimental numa ruela de Brooklyn; a fotografar incansavelmente a fachada do Guggenheim durante uma hora, sempre do mesmo ângulo; a encantar-me com a delicadeza das pétalas das cerejeiras em flor; a conversar com um dos bombeiros que participou nas operações de salvação e resgate do 11 de Setembro; a passear de barco no rio Hudson com um ajudante de cozinha; e a dançar loucamente naquela pequena congregação de domingo, no bairro de Harlem.

Hoje, regresso à cidade na companhia do meu amigo Vasco Célio, director de fotografia da Índico. Separam-nos 10.000 km, mas ainda assim passeamos juntos pelas avenidas da memória, trocando apontamentos numa longa conversa telefónica. “Sabes, eu fui a Nova Iorque para curar um desgosto de amor”, diz um. “Olha, eu estive lá duas vezes: uma antes do 11 de Setembro e outra depois”, responde o outro.

Afinal, o belo das viagens são as histórias que ficam. Histórias criadas por nós em cada escolha que fazemos: “vou por aqui ou vou por ali?”Aqui nestas páginas cruzam-se duas dessas histórias – uma em palavras, outra em imagens – de dois viajantes que, em momentos distintos, se entregaram a uma das cidades mais cativantes do mundo.

▶ COMO IR

No contexto da pandemia, será melhor evitar a rota de Joanesburgo já que alguns países interditaram a chegada de passageiros provenientes da África do Sul.

▶ ONDE FICAR

Se prefere uma zona mais sossegada, o ideal é procurar um dos vários hotéis ou alojamentosparticulares em Central Park. Para desfrutar do pulsar da cidade, nada como Times Square.

▶ ONDE COMER

Para desfrutar do ritmo inebriante da cidade, prefira o street food, incluindo os delis ou as famosas pizzarias de esquina que servem as melhores fatias do mundo (ou assim reza a fama!).

▶ O QUE FAZER

As opções são incontáveis: entre espectáculos em Broadway (ou off-Broadway); visitas a museus;jogging nos jardins;passeios de barco; EmpireStateBuilding para uma vista panorâmica;ou o bairro de Harlem para uma sessão de gospel.

▶  CUIDADOS A TER

Antes de viajar, actualize-se sobre as restrições em vigor devido à pandemia do Coronavírus, incluindo a eventual exigência de cumprir quarentena à chegada.

Edição 66 Mar/Abr | Download.

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