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Zalala – Exercício de sentidos

Texto: Elton Pila

Foto: Júlio Marcos

Edição 77 Jan/Fev| Download.

As casuarinas imitam a ambição da torre de babel. Na recta vertical, galhos como centopeias, finas folhas verdes, all the way up.

A maré em crescendo, empurrada por um vento impaciente que nos coloca o mar à boca. Sobre a areia humedecida pelo vaivém das ondas, sobram substâncias que lembram cristais de sal e que reflectem todo o dourado do sol na margem. Linda praia dourada, cantaram João Donato e Fausto Nilo.

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O tempo parece suspenso como a ave que sobrevoa a pequena embarcação que regressa à margem, depois do enfrentamento das grandes ondas-artesãs que rebentam as rochas e esculpem as pedras. Dois vultos ganham rosto na coreografia do vento, personagens de um filme de Béla Tarr. Canoa encalhada, roupa maltratada pelo mar, estacas com redes sobre os ombros e o saco da faina, mais areia do que peixes, um punhado de pequenos peixes cintilantes. “Hoje, não rendemos muito. Se tínhamos uma canoa grande, íamos longe. Mas temos caril”, dizem-nos, sem peso de frustração, já habituados aos mistérios do mar sempre a darem a lição de que nem todos os dias são iguais e não há mal nenhum.

Mais longe é o finito onde o Índico beija asiáticas terras e lembramos então das oito canoas especadas na terra, a proa para cima, como se – cansadas da vida do mar – quisessem voltar a ser árvore, e agora estão ali resignadas àquela pele decorativa, uma expedição de cor.

Zalala é mar. E como todos os mares é um exercício de sentidos e de memória. Foi a primeira capital da Zambézia, dizem historiadores citados por escritores, antes de Quelimane. E um eixo de comércio de escravos como foram quase todos os entrepostos que se fizeram vilas e cidades a partir do mar. Mas, se o mar renova, também se renova. O passado ficou para trás. Agora, chega-se a Zalala, a cerca de 30km de Quelimane, pelo caminho das palmeiras como sentinelas que nos lembra o caminho Tofo/Barra e nos faz pensar que apenas uma rixa entre deuses de diferentes tribos separou a grande rocha em que Zambézia e Inhambane se irmanavam.

O poeta Eduardo White (1963-2014) teve os pés da infância a calcorrearem por estas areias e o corpo salgado nestas águas – baptismo de vida, unção poética, iniciação literária, como se lhe adivinhasse o destino. E aqui, diante da praia, a sua voz parece sussurrar ao nosso ouvido: “a sua maresia tem na pele um cheiro profundo a mariscos”. E sentimo-la, como se a Literatura se prendesse à factualidade a que até o Jornalismo parece se ter demitido.

Crianças, com a pele da areia esbranquiçada como uma fotografia de Mário Macilau, divertem-se animadas pelo Festival que tem o nome da praia e que regressa dois anos depois para a sua 13ª Edição. O Festival celebra a Zambézia, as suas gentes e suas línguas, seus artistas e suas danças, seus rostos e suas vozes, sua vida. No palco, ouvimos “o homem é motor” ou “a mulher é uma viagem”, na voz de Mr. Conselho. A literalidade será a morte da metáfora, dizia a outra, com os nervos à flor da pele.

▶ Como chegar

Voe com a LAM, até à capital zambeziana, Quelimane. Depois, é uma viagem de cerca de 30km de carro, que permite fazer o caminho das palmeiras.

▶ O que fazer

A praia nunca é a mesma. Ver o sunrise e sunset sobre a paisagem índica. Se calhar no tempo do Festival de Zalala, deixar-se absorver pela vibração.

▶ Onde comer

Há várias opções de tascas à beira-mar. Pode sempre experimentar diferentes peixes, caranguejos, lulas, camarões, lagostins trazidos frescos pelos pescadores e que podem ser preparados na hora.

▶ Onde dormir

O Zalala Beach Lodge é uma boa opção, com acesso privilegiado à praia, ao lado silencioso da praia e que permite também jogos de vólei ou banhos de piscina, com toda uma floresta virgem à volta.

▶ Cuidados a ter

As águas do mar são agitadas. Tem de ter cuidado ao banhar-se. Precisa estar atento à previsão do tempo, antes de qualquer aventura.

Edição 77 Jan/Fev| Download.

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