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Texto: Elton Pila

Fotos: Yassmin Forte

Edição 73 Maio/Jun | Download.

Ilha Xefina – A memória em ruínas

Xefina pode ser lembrada como o primeiro baluarte de defesa da costa durante a I Guerra Mundial. Ou como o lugar da morte de Dionísio António Ribeiro, governador de Lourenço Marques. Ou como a prisão-desterro de nacionalistas moçambicanos. Ou como o chão sagrado onde foi rodado “O Tempo dos Leopardos”. Ou como o lugar por onde se moviam Alfredo e Jôta, personagens de Juvenal Bucuane no livro que leva o nome da Ilha.

Há uma pluralidade de vozes sobre Xefina. Há História e há estórias. Há os personagens fictícios e há os reais ou aqueles que se movem entre os dois universos como Pwapo, que nos recebe logo à chegada. A princípio, pensamos ouvir Guapo, este termo espanhol que invoca beleza. “Pwapo, na minha terra, Nampula, significa velho”, esclarece. Mas nem sempre foi o nome dele – afinal ninguém nasce velho, continua estranho o caso de Benjamin Button. “Quando cheguei, existia aqui um velho da minha terra que eu chamava Pwapo por respeito. Quando morreu, toda a gente passou a chamar-me assim”, explica. É o caso dos nomes que damos e que acabam também sendo nossos por contaminação. E o tempo o fez merecedor, agora já com 63 anos a tingirem de branco os fios das barbas que se deixam ver.

Nascido na Ilha de Moçambique, chegou à Xefina como Sambo Ali na boleia de um amor que prometia terra em que fosse erguida uma casa, um lar. Mas depois de alguma felicidade, a mulher decidiu deixá-lo para trás e seguir para Inhambane, levando os dois filhos, que o visitam de quando em vez. Mas a mulher nunca mais viu.

Em Xefina, se moviam Alfredo e Jôta, personagens de Juvenal Bucuane no livro que leva o nome da Ilha.

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Pwapo chegou à Xefina na boleia de um amor que prometia terra em que fosse erguida uma casa, um lar.

Deixou a vida militar em 1987, com uma passagem pela tropa e pela guerra. Não revela se desertou ou se foi desmobilizado. Mas o olhar, com as íris da cor das nuvens que anunciam chuva, diz-nos alguma coisa do que andou a ver nos anos de guerra. “Aqui é a minha casa. Todo o mundo me conhece”, gaba-se. O que não é difícil considerando que não se contam mais de 100 habitantes no perímetro da Ilha. Percebe a provocação e decide alargar o território. “Mesmo no bairro dos Pescadores, todos me conhecem”. E por onde chega esta fama? “Eu não tenho problemas. Sou boa pessoa”. Não o podemos desmentir. Sem saber quem chegava, sozinho formou quase uma comitiva de recepção. Depois de a nossa lancha ancorar, mostrou-se disponível para nos levar pelos labirintos da Ilha que fez de sua casa desde 1988.

O que um dia foi baluarte tem os bunkers, canhões e as celas submersas pelo mar, como se a maré tivesse baixado e revelasse uma cidade.

O barco que se move à velocidade da agilidade dos seus braços permite alimentar o corpo. Mas o espírito parece perdido. Ao longo da viagem, percebemos que  há momentos em que se quer evadir do mundo, talvez por isso continue a viver na Ilha. “Não cansam de falar?” – Pwapo. A agressividade que a pergunta podia sugerir diluiu-se com o riso que solta a seguir. Mas ele cansa, estava cansado e precisava descansar. Foram cerca de 20 minutos a arrastar os pés pelas matas, as mãos como catanas a abrir caminho. Nem voz. Mas já nos havia mostrado as ruínas de um antigo quartel, o comando que faz a foto da capa do livro de Juvenal Bucuane, uma casa que presumimos que fosse do comandante, um refeitório e uma prisão com celas minúsculas que continua sombria. São as últimas paredes de um tempo que se está a esfarelar.

Chegados à zona norte da Ilha, vemos o que um dia foi baluarte, com bunkers, canhões e as celas submersas pelo mar; como se a maré tivesse baixado e revelasse uma cidade, uma versão armada de Pavlopetri. “Isto tudo estava dentro do mato quando cheguei”, voltava assim à fala. E Carlos Serra, ambientalista e biólogo com quem falámos depois, confirma. “Não há nenhum plano de protecção para a Ilha”, declarou. E o mar vai fazendo seu império, engolindo a memória. A Xefina grande, este torrão de terra a minorar-se enquanto o mar cresce, corre o risco de desaparecer como aconteceu com a pequena e a média Xefinas, extinguindo toda a ideia do que um dia fora arquipélago. “Se a Xefina acabar, o bairro dos Pescadores também vai ficar ameaçado”, avisa Pwapo. Mas quem o vai ouvir?

▶ COMO IR

A partir de Maputo, com uma agência de viagens, como a Safe Travel, pode ir de lancha até à Ilha Xefina. É cerca de uma hora pela estrada de água.

▶ O QUE FAZER

Antes que seja tarde demais, palmilhar a Ilha, que o mar vai minorando, é preciso. Pode sempre lançar uma semente ou muda à terra na esperança que se faça árvore. Mas pode também fazer a viagem à Ilha dos Portugueses cujas águas convidam para um mergulho que revigora depois da passagem pelas ruínas de Xefina.

▶ ONDE COMER

Não há restaurantes, pelo que deve sempre levar mantimentos a bordo. Um piquenique à beira mar sabe sempre bem.

▶ ONDE DORMIR

Pode acampar na Ilha. Mas precisa de consultar as autoridades locais. Ou então, pode passar a noite em estâncias hoteleiras na cidade de Maputo.

▶ WHERE TO SLEEP

You can camp on the Island. But you need to consult the local authorities. Or, you can spend the night at hotel resorts in the city of Maputo.

▶ CUIDADOS A TER

Levar calçados que o permitam caminhar pelas matas. Seja precavido ao entrar pelas celas, são agora abrigos de morcegos. Não é aconselhável que escale as ruínas do baluarte  submersas no mar.

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