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As mesmas mãos que amassam o pão também pescam o peixe e pregam às pessoas. São mãos jovens, mas viajadas; generosas, mas calejadas.


As mesmas mãos que amassam o pão também pescam o peixe e pregam às pessoas. São mãos jovens, mas viajadas; generosas, mas calejadas. Que percorreram longos caminhos para chegar onde estão.  E é na aldeia de Pomene, no interior da reserva natural com o mesmo nome, na província de Inhambane, que estão hoje. Cruzadas sobre o colo, são as mãos de Anísio Francisco Manhiça, que está sentado numa cadeira de plástico no terreiro de sua casa, aguardando a próxima fornada de pão.

Com 33 anos, Anísio é líder comunitário em Pomene, pastor da igreja Afrika Wa Yesu e presidente do Conselho Comunitário de Pescas. A sua casa fica à entrada da aldeia, junto a uma placa que anuncia: “Padaria do Anísio”. Falando com a mesma candura da farinha que passa pela peneira, Anísio conta-nos as voltas que deu até se estabelecer como uma das mais respei- tadas figuras da sua comunidade. “Eu era má pessoa, mau marido e mau pai”, reconhece, atribuindo ao álcool e à droga o seu comportamento errático. Um dia, foi abordado por um grupo de missionários que rezou por ele: “Aqui- lo marcou a minha vida”. No entanto, não foi um ponto de viragem milagroso, conforme o próprio reconhece. “Voltei a beber, mas passados dois ou três anos, (os missionários) chamaram-me de volta”.

O que o fez mudar então? Mesmo nas horas mais escuras, alguma chama ardia dentro dele, apontando-lhe o caminho: “Eu não era um bom exemplo, mas queria ser exemplar”, explica. Isolou-se então em retiro durante um mês, ao qual se seguiu um curso de seis meses em Inhaminga para se tornar pastor. “Quando voltei para casa, comecei a ver muita coisa a mudar. Quando alguém fumava ao meu lado, ficava agoniado e vomitava”, recorda. Em 2009, foi então ungido como pastor da comunidade de Pomene. Embora a igreja seja hoje uma ocupação a tempo inteiro, e a pesca uma actividade relativamente rentável, é o pão que garante o sustento da família. O negócio foi crescendo à base da experimentação. Primeiro utilizavam panelas, depois conver- teram um tambor de gasolina em forno para aumentar a capacidade de cada fornada. De vez em quando – apenas quando alguém pede – há pão de coco (não confundir com bolinho de sura). “É muito soft, tem um gosto muito bom”, gaba-se Anísio. “É feito com leite de coco”, acrescenta.

Como qualquer empreendedor/inovador, não faltou quem cobiçasse o seu êxito e quisesse seguir os mesmos passos. “Depois de termos começado, houve muitos imitado- res que viram que tinha sucesso e fizeram padarias”. No final, no jeito franco com que conduziu toda a conversa, Anísio olha para a sua esposa e revela o segredo do negócio:“A padeira é ela”.

Texto: Cristiana Pereira

Foto: Mauro Pinto

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