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Helena De Jesus “Visto-Me De Arte, Visto-Me De Amor”

Helena De Jesus “Visto-Me De Arte, Visto-Me De Amor”

A pandemia obrigou-nos a marcar a entrevista através de uma vídeo chamada. Do outro lado do ecrã, aparece Helena de Jesus, com o seu sorriso contagiante, e com um turbante de seda colorida a abraçar o cabelo.


A pandemia obrigou-nos a marcar a entrevista através de uma vídeo chamada. Do outro lado do ecrã, aparece Helena de Jesus, com o seu sorriso contagiante, e com um turbante de seda colorida a abraçar o cabelo. E eu, deste outro lado, pergunto-me como é possível depois de muitos anos continuar tão esplendorosa, ela que abriu os caminhos para os modelos negros na moda internacional, e que com a publicidade de uns rebuçados de alcaçuz é um autêntico cult no youtube, em Itália. Quando dígito no Google o seu nome, a primeira pesquisa refere-se a Helena como a primeira top model negra de sucesso, protagonista das capas de Vogue, Grazia, Elle, Essence e muitas outras, ainda antes da chegada de Grace Jones e de Naomi Campbell. Nascida na antiga cidade de Lourenço Marques em 1965, estudou até aos doze anos no Colégio João de Deus na Namaacha, trabalhou numa loja de artesanato africano em Maputo e, aos 18 anos, decidiu mudar-se para Europa para estudar e melhorar-se. Eram os anos 80, chegou a Lisboa onde trabalhou num cash-and-carry de pronto-a-vestir: era vendedora, decoradora e modelo. Foi o estilista Augustus, um dos grandes nomes da moda portuguesa, que a iniciou nos desfiles. Até que um dia foi convidada a participar no programa de televisão “Um, dois, três”, de Carlos Cruz. “Eu era a menina dos prémios, a primeira imagem de uma africana negra na televisão portuguesa. Foi fantástico, mas eu queria ser uma manequim. A única opção que tinha era encontrar uma agência de modelos internacional.  Fui a Madrid e depois a Milão”, conta.

Não foi fácil entrar no mundo da moda internacional, mas Helena teve muita sorte e muita determi- nação. Trabalhou muito, fez desfi- les, publicidade, catálogos, numa altura em que não havia muitos modelos negros. Até que um dia, um amigo fotógrafo fez o seu pri- meiro book e uma das fotos foi escolhida para ser capa de revista. Riccardo Gay, um dos maiores agentes de modelos, viu a foto e chamou-a.  Daí começou a sua carreira internacional:  Milão, Paris, Roma, Nova Iorque…. Trabalhou com os maiores artistas dos anos 80 e 90: Peter Lindbergh, Albert Watson, entre os fotógrafos; e os estilistas Giorgio Armani, Moschino, Valentino, Luciano Soprani, Jean-Paul Gaultier, só para citar alguns. Ficou-lhe um único desejo: trabalhar com Roberto Capucci que considera o maior designer de moda de todos os tempos. Com orgulho, tem contribuído para legitimar o conceito de diversidade na indústria da moda internacional. Se, hoje, cerca de 47% do casting dos desfiles são compostos por modelos negros é também graças ao empenho de modelos como Helena nas décadas passadas. 

Para a Afro Fashion Week de Milão ela é descobridora de artistas, designers e modelos, para apresentar nesta plataforma que se dedica aos novos talentos africanos no continente e na diáspora. Entre- tanto, Other Couture é o seu bebé querido, a marca que criou juntamente com Giovanni Arrigoni e o artista Angelo Savarese. O conceito é simples e ambicioso ao mesmo tempo: no Ocidente, o domínio do eurocen- trismo e a marginalização   de outras culturas é uma realidade que é vivida em todo o vasto espectro das artes criativas. Se a arte veste a moda, por que não vestir a arte africana de forma a dar a conhecer todas as facetas das culturas africanas em todo o mundo? O turbante de cores garridas que sobressai no ecrã diz algo sobre isso, sendo um dos 12 turbantes de seda que criou a partir dos quadros da pintora moçambicana Bertina Lopes. “Mama B. foi a minha inspiração de vida e de arte, com a ironia, o humanismo, a generosidade de grande artista que foi”, conta Helena que apresentou a coleção de turbantes de seda com as cores das pinturas magníficas de Bertina Lopes na última edição de African Fashion Week de Milão, em Setembro. Dedicou a coleção às avós, Momoio e Tombo, as suas raízes de Inhambane.

O sonho de Helena de Jesus é construir a academia de moda e arte ‘Mama B’, na Namaacha. “São tantos os talentos que não têm a possibilidade de estudar e de se melhorar. Quero lançar esta semente para de- volver ao meu país um pouco daquilo que eu tive: o meu amor e o meu orgulho para com o meu povo.”

Texto: Ola Rolletta

Foto: Nicola Ranaldi E And Paolo Lo Pinto

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