Grutas do Nzenzo – A jóia mais bem guardada do Uíge
Enquanto nos afastamos de Luanda e progredimos pela Estrada Nacional 120 em direcção ao Uíge somos envolvidos por mil e um tons de tons de verde, do mais escuro e sombrio ao mais fluorescente e alegre. À medida que a altitude se eleva, a floresta torna-se de tal forma densa que a estrada quase se transforma num túnel, aberto aqui e ali por clareiras que nos permitem vislumbrar um horizonte de montes e montanhas que se sucedem, pintados dos tais verdes que nos irão acompanhar durante toda a visita as estas terras sulcadas por rios que garantem a sua fertilidade. Uma riqueza que em tempos se traduziu em extraordinárias colheitas de café que lhes valeram o título de “terras do bago vermelho”.
Em território integrado durante séculos no grande Reino do Congo, cuja sede era Mbanza Congo, o Uíge vivia relativamente isolado pela floresta que o tornava quase inacessível, não despertando, por isso, o interesse dos colonizadores até meados do século XVII. A partir dessa época, e apesar da oposição dos habitantes locais, a presença portuguesa começou a intensificar-se, sobretudo em finais do século XIX, quando a Conferência de Berlim (1884-1885) obrigou à divisão forçada do reino por várias potências coloniais e à ocupação dos seus territórios pelos invasores. É durante a ocupação colonial que se estabelecem, na então cidade de Carmona – nome atribuído, em 1955, em homenagem ao ex-presidente da república portuguesa Óscar Carmona – , as roças de café que vão transformar a região na maior produtora do país e que, ao mesmo tempo, vão estar na origem da revolta das populações contra o trabalho forçado e de contrato, na sequência de vários episódios de resistência levados a cabo por comunidades com uma identidade cultural bem vincada.
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Por entre as sombras abrem-se finalmente as portas das Grutas do Nzenzo, um espectáculo raro.
Embarcamos na aventura com o objectivo de descobrir a beleza natural da província, os seus recantos mais sedutores, escondidos entre a vegetação que parece querer protegê-los para sempre de tudo quanto possa perturbar a tranquilidade em que existem desde sempre.
A primeira descoberta ocorre logo no percurso em direcção à cidade do Uíge, onde descobrimos alguns dos cenários de mistério que tornam esta província fascinante. A primeira paragem está marcada para a comuna de Aldeia Viçosa, em Quitexe. É por ali que encontramos o desvio para a Lagoa do Feitiço, antes conhecida como Ujia Ya Mbuila, um lugar protegido que só pode ser visitado com a permissão das autoridades tradicionais que devem ser contactadas na aldeia Dambi à Ngola, para a realização dos rituais que dizem ter o poder de acalmar o espírito das sereias que ali habitam em total tranquilidade. A mesma que concedem aos visitantes que encantam com a sua morada.
Mas a mais espectacular jóia da província, aquela que ali nos levou, esconde-se mais a Norte, e para a encontrar é preciso ir perguntando o caminho, dividido entre asfalto, terra batida e picadas. Perto das montanhas conhecidas como Pedras do Bombo encontramos a aldeia com o mesmo nome, a mais próxima das Grutas do Nzenzo, uma das Sete Maravilhas Naturais de Angola, que podemos visitar depois de avisar as autoridades municipais que, por sua vez, solicitam às autoridades tradicionais da aldeia de Bombo que permitam a visita dos viajantes, que junto da entrada das grutas devem cumprir um rigoroso ritual, repleto de misticismo. Neste clima quase mágico podemos então iniciar a caminhada para estes refúgios de pedra, também eles protegidos por densa vegetação. Ao longe, um som ininterrupto anuncia uma queda de água. Atravessamos uma pequena ponte de madeira e descemos uma ladeira inclinada. Por entre as sombras abrem-se finalmente as portas das Grutas do Nzenzo, um espectáculo raro. A água fresca jorra incessante de uma fenda situada no tecto das grutas, que, por isso, na língua local se chamam Ntadi dya Nzenzo, ou Pedra da Torneira. Dizem os habitantes que ali perto não passa nenhum rio nem riacho, não há lagos nem lagoas, mas a água corre sempre, sem parar, durante todo o ano e da mesma maneira. O silêncio, à excepção do som da água, é quase absoluto. A humidade e o cheiro a madeira molhada envolvem-nos. Tal como as sombras que ajudam a transformar esta visita num momento místico.
Alvo de imenso orgulho por parte das gentes locais, também elas sujeitas ao ritual que apazigua os Deuses e que permite uma visita sem riscos, a gruta de Nzenzo tem sido uma aliada das populações em tempos mais difíceis. Foi nela que muitos procuraram refúgio em períodos de guerra, “desaparecendo” do olhar dos inimigos e dormindo seguros na sua imensa galeria. É dela que continuam a receber a água fresca e pura que brota da misteriosa rocha, a sua maior riqueza, como destacava o jornalista e escritor Luís Fernando, padrinho desta atracção durante a eleição das Sete Maravilhas Naturais de Angola.
Em “estado de graça” regressamos à cidade do Uíge, a nossa base durante esta expedição. Passeamos pelo típico traçado colonial do seu centro urbano com edifícios que testemunham o progresso vivido na cidade nas décadas de 1960/70. Vislumbramos o Estádio 4 de Janeiros e recordamos a paixão do Uíge pelo futebol, desde os tempos em que os heróis do Futebol Clube do Uíge brilhavam no panorama desportivo nacional. Passamos pela sede da Universidade Kimpa Vita e percebemos que na província, que detém outros dois Institutos Superiores, o de Ciências de Educação e o Politécnico Privado, também se constrói o futuro.
Dos pontos mais elevados da cidade, como no miradouro do largo do edifício da Rádio Uíge, temos uma visão da extensão da cidade, que se espalha pelos montes vizinhos. Dali, adivinhamos outras maravilhas a descobrir. As lagoas mágicas do Songo e de Mufututu, o Vale do Loge, os morros do Alto do Cauale ou as cascatas de Caca Luidi. As fantásticas Pedras de Encoge, uma série de gigantescas rochas, a lembrar altos prédios alinhados, que, reza a lenda, serviam de esconderijo a leões. Ali perto, a Igreja e o Forte de São José, construídos pelos portugueses no século XVIII e de que restam apenas ruínas perdidas entre a vegetação, partilhando com os leões imaginados a sombra das imensas Pedras. Imaginamos as ruínas do Fortim de Maquela ou os túmulos do Ancião Mekabango ou do Grande Rei Mbianda-Ngunga, guerreiros da resistência à ocupação. Lamentamos a falta de tempo que nos impede de visitar o Museu Etnográfico do Kongo, mas também a Missão Evangélica de Kikaia, os Monumentos da Batalha de Ambuila, as velhas roças de café abandonadas que decoram a paisagem. Prometemos voltar para descobrir a cidade de Negage, herança da época das grandes colheitas de café, e percorrer as instalações do seu antigo Aeródromo Base Aérea nº 3, inaugurado em 1961 e transformado em Escola Média Nacional de Aviação Militar após a Independência: para observar as intrigantes pinturas rupestres de Kissadi e Kabala, mantidas em segredo até à década de 1960, quando a sua existência foi revelada ao mundo, mas que ainda hoje permanecem por decifrar; ou embrenharmo-nos na Reserva Florestal do Béu, que a floresta torna quase impenetrável, onde viverão, garantem-nos, elefantes, búfalos, antílopes e macacos azuis.
Argumentos mais do que suficientes para, mesmo antes da partida, começarmos imediatamente a planear um regresso às terras encantadas do Uíge.
O mistério do nome
A origem do nome da província perde-se na memória: há quem sugira que se deve ao nome de um riacho que corre na Serra do Uíge, há quem garanta que deriva da resposta mal pronunciada dos portugueses a “Uiza”, palavra do Kikongo com que o povo Bakongo lhes desejou as boas-vindas.
Onde dormir
No Uíge encontra uma oferta hoteleira variada, podendo optar entre unidades como o Hotel Bago Vermelho (+244 944 411 164, o Cuílo River Hotel (+244 923 157 440), o Hotel Salala (+244 948 711 399 ou contacto@hotelsalala.) ou o Complexo Hoteleiro Pinguim (+244 : 934 584 644). Mais afastado do centro urbano, o Complexo Mawete, a cerca de 10 kms da cidade, é outra opção (+244 948 383 331 ou +244 923 379 025). Em Negage, tem à sua espera o Hotel Pamplona (+244 : 941 428 884).
Como ir
Está prevista para breve a abertura da rota entre a capital e o Uíge. Os novos Dash 4-800 irão aterrar no Aeroporto Manuel Quarta Mpunza, que homenageia o guerrilheiro, político e diplomata natural da província e que ali desempenhou vários cargos. Para aproveitar ao máximo a sua viagem poderá contratar antecipadamente os serviços de uma agência de viagens.
Edição 85 NOV/DEZ| Download.
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