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Texto: Leonel Matusse Jr.

Foto: Yassmin Forte

Edição 70 Nov/Dez | Download.

 

Encontros Índicos com Sónia Sultuane e Yuck Miranda – Semear esperança

Uma semeia palavras e as aduba com desenhos. Um irriga com as expressões do corpo e da voz. Ambos querem colher quantidades industriais de esperança para dividir com quem cruzar com os seus trabalhos na avenida da vida. Mas sobretudo as crianças.

Uma é Sónia Sultuane, poeta e artista plástica. Um é Yuck Miranda, actor e bailarino, no essencial. A terra que desbravam se chama Arte, uma parcela de um vasto território, o da Cultura.

Tendo já vivido outubros de cinco décadas, a poeta, nascida em 1971, na capital do país, está cada vez mais consciente de que é nas crianças que se deve semear a esperança. Ensinar-lhes que imaginar – projectar, talvez – é dos alimentos mais nutritivos para um futuro saudável.

A contar a Yuck Miranda sobre o seu projecto Walking words, iniciado em 2008, que consiste em sair para a rua com um vestido de palavras e registar o itinerário, Sónia disse que uma das melhores experiências que teve foi nas cercanias do Xiquelene. Encantou-se com a curiosidade das crianças. “Elas me perguntavam o significado das palavras”, disse com ternura de quem, naquele instante, regressava ao episódio da periferia de Maputo.

“É difícil trazer as crianças para espaços já definidos, como uma livraria ou biblioteca, por isso entendo que este meu projecto é uma forma de levar o livro para dialogar com elas”, contextualizou.

Em 2014, publicou o conto infanto-juvenil “A Lua de N´weti”, justamente nessa perspectiva. Além da crença no universo espiritual, acredita que “um artista faz um trabalho solitário, mas sempre para o amanhã dos outros”.

Sónia Sultuane, cabelo solto, branco, protagonista de uma história de superações desde que aos 13 anos engravidou. Foram seguindo outras batalhas como a aceitação social. A porta da Literatura estava vedada a mulheres.

Nesta altura do seu percurso assume que Walking words e trabalhos virados para os mais novos são o seu projecto de vida. Sempre na expectativa de acender a luz para que no futuro não passem pelas intempéries que ela enfrentou.

Há dois anos, preocupada vendo os noticiários e a sentir as incertezas da temperatura, convidou o artista plástico, docente de História de Arte e director do Centro Cultural Brasil-Moçambique, Jorge Dias para um workshop na Oncologia do Hospital Central, onde desenvolve várias actividades com os internados.

O objectivo era ensinar aqueles menores no leito hospitalar a criar objectos com garrafas pet. Reaproveitaram as minúsculas tampas e as próprias garrafas para brincar de fazer carrinhos e flores.

O projecto Walking words, iniciado em 2008, leva Arte para a rua

Sónia Sultuane é protagonista de uma história de superações

“Nenhuma daquelas crianças vai deitar fora as garrafas vazias, porque elas perceberam que é possível fazer várias outras coisas com as garrafinhas de água”, acredita Sónia Sultuane.

Vinte anos depois, celebrados com a publicação de “O lugar das Ilhas”, sob chancela da Fundação Fernando Leite Couto, a poeta escreveu “Sonhos”, de 2001, “Imaginar o Poetizado”, 2006 e “No Colo da Lua”, 2009.

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Estão os dois sentados. Yuck Miranda acaba de saber que venceu o Prémio Prince Claus, mas está sereno. Batotas de actores. Está uma tarde cinzenta na Kim Il Sung, em Maputo, e arredores. É a quinta sessão dos Encontros Índicos, que resulta de uma parceria entre a Fundação Fernando Leite Couto e a Revista de bordo das Linhas Aéreas de Moçambique, Índico.

O propósito deste registo é sempre unir dois artistas de diferentes gerações para uma conversa despropositada, sem guião prévio, apenas para seguir o fio daquele encontro improvável.

A entrar na casa dos 30, Yuck olha a sua volta e nota a falta de projectos artísticos e conteúdos infanto-juvenis. “Isso me preocupa”, assume. É para essa direção que aponta os seus holofotes. É um projecto vitalício, espera.

“O Teatro dá-nos a possibilidade de tratarmos o ser humano, a pessoa em toda a sua imensidão” – Yuck Miranda

Yuck, que passou pelo curso de Teatro na Escola de Comunicação e Arte da UEM, alia a academia com a prática permanente em palco. “O Teatro dá-nos a possibilidade de tratarmos o ser humano, a pessoa em toda a sua imensidão”, disse a esclarecer o seu modo de ver o que faz tanto em peças clássicas, assim como em contemporâneas.

Com os olhos no futuro, pensa que o presente que pode deixar para o universo, para a humanidade, é trabalhar com e para as crianças. É importante pôr elas a reflectir”, disse por ter constatado, no seu trabalho, que as pessoas são castradas desde a infância.

“Geralmente, o que elas ouvem é: não sintas, não te movas, não faças…se fizeres isso, te vai acontecer aquilo…”, comentou, reconhecendo nessas atitudes o moldar dos medos, das limitações. Trabalhou com esse público em adaptações de textos da escritora Fátima Langa e outros no grupo Mbeu, onde aprendeu técnicas que o conduzem.

“Crianças em Oncologias, em pediatrias, dificilmente tem acesso a Arte e quando a Arte chega a elas – para mim – tem uma dimensão de transmitir esperança”, comenta Yuck Miranda.

Ao teatro infanto-juvenil, que apesar de já tê-lo feito ainda com pouca vida vivida, chega de forma mais comprometida com “Quem manda na selva”, adaptação de Venâncio Calisto do homónimo de Danny Wambire, mas estava ainda longe do que ele encara como teatro infanto-juvenil hoje, que tem como bandeira maior do seu percurso “Transform”, que faz com o moçambicano Buanamade Amade e a actriz do Botswana Jessica Lejowa, apresentada em Agosto, na África do Sul.

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