Mercado Segurador e a Indústria Extractiva – De olhos no desenvolvimento local
O sector de seguros desempenha um papel de extrema importância na economia moçambicana. Além da cobertura de riscos, é também um dos pilares do sistema bancário. Moçambique ainda não é um grande player a nível global ou mesmo regional, mas está a fazer o seu caminho. Com o desenvolvimento económico que tem se assistido, sobretudo aliado à indústria extractiva, já se antevê bons sinais a médio e longo prazo. Mas, até lá, ainda existe um longo caminho por trilhar. A 5.ª edição das Conferências Índico, que discutiu o papel do mercado segurador em Moçambique e a forma como este pode aproveitar as oportunidades da indústria extractiva para estimular o desenvolvimento local, foi uma pedra a pavimentar esse caminho.
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No discurso de abertura que coube a Associação Moçambicana de Empresas Petrolíferas (AMEPETROL), o secretário-geral, Ricardo Cumbe, fez notar que as oportunidades criadas pela Indústria Extractiva precisam se traduzir em negócios para os moçambicanos. “O mercado segurador e indústria extractiva são sectores em que os investimentos são bastantes elevados e, naturalmente, o risco associado é bastante elevado. Por isso, há necessidade de avaliar a melhor forma de mitigação do risco que pode estar associado de várias formas”, vincou Ricardo Cumbe.
O Partner – financial services da Ernst & Young), Nuno Calhas, defendeu a necessidade de mais investimentos a nível de infra-estruturas do mercado de seguros. Para Calhas, apesar de Moçambique ter assistido de 2020 a 2023, um aumento dos prémios globais em cerca de 20%, a taxa de penetração de seguros no país é ainda das mais baixas quando comparada com os mercados mais maduros, com apenas 2%, defendendo que o negócio tem muito ainda por se explorar.
“O papel das seguradoras para a economia vai muito além da protecção dos riscos, elas ajudam na captação de poupanças, onde efectivamente as seguradoras podem constituir um instrumento complementar aos regimes previdência social. As seguradoras são um bom veículo para complementar estes regimes, daí a importância das mesmas e o trabalho que fazem ao longo da literacia financeira, da cultura de poupança, o que é bastante relevante para a sociedade”, apontou Nuno Calhas.
No que as seguradoras pensam?
O Manager na Direcção de Negócio Patrimoniais e Resseguro da Fidelidade Ímpar Moçambique, José Fumo, revelou o trabalho que a sua empresa tem estado a fazer por forma a contribuir na melhoria da taxa de penetração. “A nível da Fidelidade, temos estado a trabalhar na criação de micro-seguros, de seguro agrícola, portanto, isto vai dar de certo modo um impulso na taxa de penetração para que realmente mais moçambicanos tenham acesso ao seguro”, assinalou.
Enquanto isso, a Directora Executiva da Standard Correctora de Seguros, Ana Gunde, destacou a importância do sector de seguros no país, defendendo que “as seguradoras moçambicanas estão preparadas para apoiar os mega-projectos de exploração de petróleo e gás”.
Para Ana Gunde, o seguro não se trata apenas de protecção financeira, mas sim também traz consigo a tranquilidade na vida das pessoas. Por isso, “o seguro desempenha um papel muito importante para qualquer economia, incluindo Moçambique. Apesar do seu índice de penetração ser de 2%, existe certo potencial para o crescimento do mercado segurador no país”.
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Mais adiante, o assessor do Conselho de Administração da EMOSE, Isaías Chembeze, sublinhou a importância de uma abordagem estratégica que vá além do lucro imediato do mercado de seguros, explicando que “é preciso investir em áreas economicamente sub-exploradas com vista a promover uma maior adesão ao seguro por parte da população e das empresas”.
Segundo Chembeze, as importações de Moçambique representam um volume expressivo de transações financeiras. Em 2018, foram contabilizados cerca de 100 mil milhões de dólares em importações, que poderiam ter gerado receitas significativas para o sector de seguros se houvesse maior regulamentação e integração dessas operações com o mercado segurador. “Se estivéssemos a beneficiar da lei e da influência, Moçambique teria facturado 60 milhões de dólares em custos de seguro”, afirmou Chembeze, destacando o potencial inexplorado desse mercado.
Entretanto, trazendo um pouco de experiência da relação entre a banca e seguros, o director central de operações do Banco Comercial e de Investimentos (BCI), Diogo Bragança, considerou que, nos últimos anos, tanto a banca assim como as seguradoras têm redobrado os seus esforços de modo a criar uma imagem de robustez, o que de certa forma tem permitido a criação de mais seguros. Neste contexto, o gestor afirmou que, em termos de contributos, a integração da banca com os seguros está actualmente numa fase muito embrionária em que os bancos estão apenas disponibilizar a sua rede de balcões para as seguradoras poderem usufruir em termos de fazer investimentos, na abertura de filiais.
“Quanto ao nível de penetração, infelizmente pelo segundo ano consecutivo continuamos com 2% enquanto que a banca já vai ao nível de 15 a 16%, por isso há necessidade das seguradoras conseguirem parcerias por forma a chegar ao volume de clientes em que a banca tem”, insistiu.
Também presente na conferência, o director Executivo da Maximo Group, Raimundo Zandamela, referiu que o mercado de seguro em Moçambique está directamente ligado à prosperidade da população moçambicana. “A única forma de criarmos essa prosperidade é através dos serviços financeiros que nos permite criar, gerar e transmitir a riqueza”.
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Nesta abordagem, Zandamela avançou que “a Máximo se foca no mercado em servir soluções de seguro de regime micro e banca, então, olhamos para o seguro e banca de forma inclusiva”.
O conteúdo local
A questão do Conteúdo Local foi, igualmente, tema abordado na 5.ª edição das Conferências Índico. Nesta temática, a Câmara de Comércio de Moçambique, representado pelo Presidente do Pelouro Laboral, António de Sousa, realçou a importância de existir uma lei de Conteúdo Local no país, mas antes disso, “é preciso que se tenha um elemento regulador, pois as poucas iniciativas já existentes dependem muito mais da sensibilidade dos grandes acionistas”.
De seguida, a consultora e assessora para África no Global Gas Centre, em Genebra, Denise Cortês-Keyser, fazendo uma análise sobre as perspectivas para o benefício do Conteúdo Local, em Moçambique, destacou que, para que as indústrias extractivas beneficiem verdadeiramente o desenvolvimento económico de países como Moçambique, é essencial que as multinacionais se ajustem às realidades locais. “Se não criarmos condições para integrar às comunidades e empresas locais nas cadeias de valor, estamos a perpectuar um modelo de crescimento excludente”, afirmou.
Para Denise Cortês-Keyser, a solução passa por criar um sector privado robusto e competitivo, capaz de se inserir de forma significativa nas cadeias de fornecimento das grandes corporações internacionais. Por isso, reiterou a necessidade de fortalecer as empresas locais para que estas possam competir em pé de igualdade com fornecedores internacionais. “A nossa estratégia não pode ser apenas extrair recursos e vendê-los. Temos de transformar esses recursos localmente, criando uma cadeia de valor que envolva todos os níveis da sociedade”, enfatizou.
Contudo a mesma visão foi também partilhada pela Jéssica Morgado, consultora de Recursos Humanos na PRI – Empresa Recruitment Agency Mozambique, onde defendeu uma abordagem de Conteúdo Local focada nas pessoas. Mesmo assim, Jéssica Morgado entende haver um trabalho notável a ser feito, mas também que há ainda desafios. “Para termos os mega-projectos de uma forma sustentável a médio e longo prazo, há necessidade de alinhar os nossos currículos com aquilo que são as necessidades do sector, com formações mais técnicas e específicas e com certificações e padrões internacionais”, concluiu.
Edição 85 NOV/DEZ| Download.
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