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Texto: Paola Rolletta

Foto: Aghi

Edição 68 Jul/Ago | Download.

Afric Simone

De Xipamanine para o mundo

Na Itália, é famosíssimo. Toda a gente tem dançado e cantado umas das suas músicas. Ele é o êxito do verão, das discotecas, do espectáculo puro desde os finais dos anos 70.

Afric Simone, seu nome de Arte, é uma espécie de versão masculina de Pipi das Meias Longas ou o Feiticeiro de Oz. Um concentrado de ritmos, de simpatia surreal, de palavras inventadas, um autêntico animal de palco que brinca com o corpo, o fogo e uma cadeira agarrada com os dentes. Ele faz parte da história da dança, da música afro e funk e é por isso que é absolutamente necessário ouvi-lo e dançar com ele.

Desde sempre tenho um fascínio por este senhor que encantou a minha adolescência nos anos 70/80. Faz muito tempo que ando à procura dele, mas como ele é uma espécie de lenda viva, uma Greta Garbo da discoteca, não tem sido fácil. Muitos telefonemas, muitos indícios, mas nada de concreto. Até que, por sugestão de outro músico moçambicano na diáspora, Fu Manjate, tive um contacto e finalmente lá cheguei a falar, pelo telefone, com o meu ídolo. Que emoção!

Vive em Berlim, o meu herói surreal, fala uma língua toda sua, feita de um mix de muitas línguas, desde bitonga até alemão, passando pelo português, o italiano e o espanhol, com uma pitada de francês e muito inglês. Não leva nada a sério, aparentemente, mas tem muito cuidado naquilo que conta sobre a sua vida aventurosa, cheia de estórias e segredos.

Tudo começou quando o seu pai, um pastor brasileiro de São Paulo, chegou a Moçambique, nos anos 40. Encontrou a mãe de Afric Simone e formaram família: duas filhas e um filho. Não sabe dizer ao certo o ano de nascimento. “No meu passaporte está escrito que tenho 80 anos, mas eu acho que devo ter uns 75 ou 76 e, de resto, como posso lembrar quando nasci?”.

Órfão de pai, o menino Henrique Joaquim Simone foi para Lourenço Marques para ganhar dinheiro. Tinha arranjado emprego como babá, mas ele adorava tocar e dançar. “Tocava com os meus amigos no parque de diversões Chipada, no Xipamanine – conta – cantávamos ‘Tutti Frutti’ do Elvis. Aprendi a tocar sozinho e até hoje não sei ler a pauta…”

Na altura, o seu nome de arte era Kid Kid e esse nome de banda desenhada até hoje lhe ficaria bem.

Conta-me que é primo de Eusébio e que um dia um empresário sul-africano o convidou para se exibir nos clubes da Inglaterra. Não tinha maior idade, não tinha documentos e foi aí que foi inventada a sua data de nascimento. Isto aconteceu quando Moçambique era ainda uma província ultramarina de Portugal…

Foi a Londres, exibiu-se nos clubes mais em voga até o dia em que se zangou com o seu empresário e foi-se embora “só com o meu casaco e mais nada” para Berlim. Foi nessa altura que teve de renovar o seu passaporte para viajar. Foi quando arranjou um passaporte alemão. “Uma história de burocracia que nunca mais acabava… eu sou moçambicano, mas naquela altura era um problema sério com os portugueses. E assim nunca mais tive o passaporte de Moçambique…”

A sua vida mudou quando começou a cantar ‘Barracuda’. E veio a primeira digressão a Venezuela. “Tinha até uma banda no aeroporto para me saudar… e tive de aprender a fazer autógrafos de tanto que era famoso! – conta divertido.

Enquanto conta a sua vida, toca a guitarra e canta uns refrões de ‘Ramaya’ e ‘Hafanana’. “Sabes, Ramaya é famosa na Europa do Oeste ao passo que Hafanana na Europa do Leste. Até hoje não sei o porquê, mas a vida é assim mesmo…”

Continua a dar shows com os seus hits de então, sobretudo nos Países da Europa do Leste. As muitas razões para esta onda de nostalgia serão certamente mais complexas de investigar, mas um factor central é que os anos 70/80 foram divertidos, irreverentes e corajosos. A dança dos anos 70/80 incendiava os clubes e havia também a tendência da música afro que fazia enlouquecer o público.

“Gostaria de mostrar ao meu filho a terra onde nasci. Sim, gostaria de lhe mostrar Inhambane”.

Ficou um “pouco rico”, mas perdeu tudo quando o seu amigo-empresário faleceu e deixou-lhe o empréstimo bancário para o estúdio que tinham montado juntos para pagar. “Não me importa ser um homem rico, sou um rico homem… Tenho um filho maravilhoso, Fábio ‘Ramaiiiiito’ Simone, vou de bicicleta e ainda dou shows – conta sempre com um sorriso nos lábios  ̶  O corona tem sido um desastre neste aspecto. Logo depois da segunda dose de vacina, fui dar um show à Sardenha, na Itália. Que quero mais? Gostaria de mostrar ao meu filho a terra onde nasci. Sim, gostaria de lhe mostrar Inhambane.”

Hambanine, Afric Simone, muitos fãs esperam por ti, em Moçambique.

Edição 68 Jul/Ago | Download.

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